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quinta-feira, 20 de maio de 2021

A juíza que enxerga com o coração

 Entrevista Fictícia feita por.

Por Daniella Ribeiro Valim do 9º AM - Do Colégio Emília Marinho


                A entrevistada de hoje é a doutora Edna Fonseca, uma das melhores juízas de Rondônia, deficiente visual, a Dra. Fonseca lutou por acessos, preconceitos, e espaços durante sua vida inteira para hoje ser uma conceituada Juíza. Vinda de uma pequena cidade na Rondônia, hoje sente muito orgulho a onde chegou.

Foto meramente ilustrativa

- Como foi a sua infância?

- Eu sempre fui uma criança feliz, sempre corri, sempre brinquei, apesar de todas as dificuldades que eu e meus pais passavam. Nós morávamos em uma casa simples em Castanheiras, município pequeno, de mais ou menos dois mil habitantes, na Rondônia. Eram minha mãe, meu pai, eu e mais seis irmãos. Quando eu tinha onze anos meu pai se envolveu com álcool, parou de trabalhar, e a situação da minha família que já não era boa, ficou pior. Meu pai voltava para casa depois de dias fora, então minha mãe teve que começar a trabalhar, eu e meus irmãos ficávamos em casa, estudávamos, limpávamos, cozinhávamos tudo por conta própria, sempre cuidamos e tivemos uns aos outros. Tudo ficou mais difícil, quando meu irmão de apenas seis anos morreu atropelado, aquilo devastou a família. Meu pai sumiu de vez, minha mãe trabalhava dia e noite, meus outros irmãos mais velhos largaram a escola para poder trabalhar também e foi aí que eu decidi que mudaria a vida da minha família, mas a cegueira me atingiu por falta de vitamina A, o que novamente atrapalhou tudo, eu não via uma saída, para mim era o fim. Depois que perdi a visão, me afundei em mais um problema, a depressão, não tinha ânimo para nada, só queria que tudo acabasse.

- E como foi superar a depressão tão nova?

- Eu me sentia mal, estava a um fio, mas quando via minha mãe que chorava no quarto ao chegar do trabalho, pela sobrecarga, preocupação e a saudade do meu irmão, eu sabia que tinha que passar por cima de qualquer obstáculo pela minha mãe. Isso me deu muita força, então sempre estudei demais, sempre fui muito esforçada, sempre trabalhei e ajudava minha mãe como podia. Com o tempo eu fui percebendo que a minha deficiência não me limitava a nada, eu era capaz, foi quando eu decidi que podia e conseguiria ser sim, uma pessoa de muito sucesso.

- Por que você escolheu trabalhar na justiça?

- Em Rondônia, além de todos os outros problemas, a justiça sempre foi muito falha, no Brasil todo, na verdade. Mas onde cresci era nítido que nada funcionava como deveria funcionar, eu não podia enxergar, mas sabia que o povo precisava de ajuda, foi assim que decidi que queria fazer justiça, para todos aqueles com quem eu cresci, todos aqueles que nunca foram escutados, todos aqueles que precisavam de ajuda desesperadamente.

- Você sofreu pela sua deficiência?

- Com certeza. A verdade é que o mundo não é preparado para nós, não existe espaço para nós, é por isso que precisamos conquista-los cada vez mais. Quando perdi a visão, sofri muito bullying na escola, apelidos, pegadinhas, sumiam com as minhas coisas, brincadeiras de mau gosto em geral. Isso me abalava demais, sofri demais, chorava, me recusava a ir para escola e até cheguei a querer morrer por essas “brincadeiras”. Meus irmãos sempre foram muito carinhosos e protetores comigo, sempre me apoiaram e encorajavam, com eles eu aprendi que as pessoas que faziam tais “brincadeiras” não tinham educação em casa, e provavelmente faziam aquilo porque tinham problemas e descontavam no próximo, isso me consolava. Não sofri só na escola, cheguei a ser desclassificada de um concurso público, não era contratada em nenhum emprego, e em todos os lugares que eu ia não era adaptado para pessoas deficientes visuais. Quando finalmente consegui, depois de muita luta, entrar em uma faculdade, também sofri, as pessoas da faculdade me excluíam, faziam piada e a faculdade não era totalmente pronta para pessoas como eu. Mas é muito injusto eu falar que sofri bullying a minha vida inteira e nunca tive amigos, na verdade, tive sim, não muitos, mas amigos de verdade, dos quais eu sempre pude contar, sempre me apoiaram e me amaram.

- Hoje em dia você acha que todos estes problemas foram solucionados? Acha que os espaços são ocupados por pessoas como você? Que os lugares estão adaptados o suficiente?

- Muita coisa melhorou desde a minha juventude, a acessibilidade certamente aumentou, hoje já vemos muito mais representatividade e pessoas deficientes ocupando cargos de respeito, mas com toda certeza, está muito longe de todos os problemas serem solucionados. A nossa sociedade ainda é capacitista, e não há um preparo completo para lidar com as diferenças, ainda sofro preconceito, ainda sou subestimada, ainda sofro com falta de acesso, eu e todas as outras pessoas deficientes. É uma luta que não se cessa, é cansativo, mas de pouco em pouco vamos cada vez mais conquistando espaços e buscando nossos direitos como cidadãos.

- Qual conselho você deixaria para as pessoas deficientes?

- Jamais desista! Nunca! A vida é muito curta para nos limitarmos por nossas deficiências. Nós somos capazes e temos direitos como qualquer outra pessoa, não abaixem a cabeça para ninguém, você pode, você consegue. Não ligue para comentários maldosos, olhares tortos, você é lindo, por dentro e por fora. Cada dia que se passa, conquistamos mais e mais, e assim continuaremos, nunca percam a fé, e se divirtam, pois, a vida é curta demais para nos lamentarmos.